Quando ouvimos a palavra "cancro" todo o nosso sistema nervoso entra num estado de choque diário. Ouvir alguém dizer a um dos nossos que a sua saúde está fragilizada é das piores coisas que pode existir. Recordo-me como se tivesse sido ontem embora tivesse feito em Outubro 2 anos. Fui com o meu pai fazer um simples exame para a retirada de um pólipo e saí de lá num misto de emoções, o qual ainda hoje me custa explicar. Ouvir o médico dizer "tem aspecto maligno" é assustador.. Após um mês de exames e consultas, surgiu o diagnóstico...era cancro maligno! O meu pai estava a iniciar a sua luta contra este que é um dos monstros do século. Dividi-me entre o choque, o querer gritar, o querer chorar e o tentar manter-me calma por ele. Levei o meu pai a casa, sorrindo e dizendo que tudo iria correr bem, que era somente mais um desafio que iríamos enfrentar - embora por dentro me sentisse destruída e com medo. Deixei-o em casa e vi que, ao subir as escadas, umas lágrimas lhe escorreram pelo rosto. E foi aqui que desabei. Fiz 20 km's a chorar e a gritar até chegar a casa, enfiei-me no banho e chorei mais um bocado. Ao Marco só conseguia dizer " O meu pai tem cancro! O meu pai!". Não conseguia aceitar, acreditar ou até pensar em outra coisa. Passei uns dias em que esta realidade me estava a consumir... Não era justo, já tinha perdido amigos, primos, os meus avós, o meu padrinho e agora estávamos frente-a-frente com um cancro?! A sério, tinha de ser mesmo um cancro?! Não era justo acontecer com o MEU pai... Os porquês tomaram lugar nos meus dias e a revolta estava a querer ser a minha melhor amiga. Até que me lembrei de que isto não era sobre mim mas sim sobre ele. A luta dele estava a começar. E o meu pai era lá homem de desistir!
Em Dezembro foi operado e em Março iniciou a quimioterapia. Antes do tratamento meu pai não parava um dia em casa, não estava mais de 1hora a ver televisão, inventava sempre alguma coisa para fazer, o trabalho era o seu passatempo preferido. Aliás, durante o internamento da operação, lembrou-se de fazer uns projectos para construir em casa e se manter ocupado (ele é pedreiro) E claro,com a quimioterapia, foi-se abaixo. Teve uns dias em que estava bastante fragilizado. Podem perceber como me fez confusão vê-lo deitado no sofá, com frio em pleno Verão, sem forças. Chegou a ter dias em que iria fazer quimioterapia e os seus valores estavam demasiado baixos para poder fazer o tratamento... Acreditem, isso é assustador! Não consigo arranjar outra palavra para descrever o que sentia naquela altura. Estava assustada, era isso mesmo - assustada. Estava com medo de perder o meu pai, tinha medo que ele desistisse de lutar ou que a doença fosse mais forte do que ele. Embora conheça o meu pai e saiba que é um homem de força, o facto de termos tido familiares a morrerem da doença foi um fantasma nestes últimos 2 anos. A minha avó, mãe do meu pai, faleceu de cancro 2 anos antes de eu nascer.Como podem imaginar, isto assombra sempre uma família, por muito que nos tentemos esquecer desse lado.
O seu último dia de quimioterapia foi uma vitória. Foi uma espécie de brisa marítima num deserto. Claro que ainda iriamos ter um caminho a percorrer, mas mais um passo estava dado.
Todo o seu caminho percorrido e ainda por percorrer, não é só dele... é de todos nós. E, felizmente, posso dizer que nunca estivemos sozinhos. Tivemos o apoio de todo uma população, familiares e conhecidos. É tão importante sentirmo-nos amparados todos os dias, sentirmo-nos amados. Sabia que, se fosse preciso, qualquer um de nós poderia virar-se para qualquer lado e chorar, gritar, o que fosse. Sabia que as pessoas iriam compreender. Sabia que estavam ali para nos apoiar. Normalmente, quando há uma doença grave, tentamos não pensar na doença e sim na recuperação. Para tal acontecer, é claro que temos de nos manter positivos. E ajudava ter o telefone a tocar de hora a hora a perguntar como estava a correr tudo e a oferecer uma mão. Não, não era pena. Era amor. Era preocupação. Ainda o é. Posso dizer que fomos abençoados em viver onde vivemos (os meus pais) e conhecer as pessoas que conhecemos... E agradeço-lhes tanto por isto!
Por isso mesmo, digo que o cancro do meu pai não é só dele...é nosso!